De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. A saúde mental implica muito mais que a ausência de doenças mentais, ela está relacionada à forma como uma pessoa reage às exigências, desafios e mudanças da vida e o seu desequilíbrio pode desencadear transtornos, os quais são a soma de fatores ambientais e genéticos. Estima-se que cerca de 10% da população mundial apresente algum transtorno psicológico.
Atualmente, terapia convencional inclui a psicoterapia e o uso de medicamentos como os ansiolíticos e os antidepressivos. Entretanto, é comum esses medicamentos causarem efeitos colaterais intensos, como boca seca, insônia e ganho de peso no caso dos antidepressivos tricíclicos e falta de memória e distúrbios cognitivos no uso de ansiolíticos. Além disso, a longo prazo, causam dependência, tolerância e síndrome de abstinência e muitos pacientes não obtém resultados satisfatórios.
Neste contexto, a busca por novos tratamentos vem crescendo e as pesquisas envolvendo a planta Cannabis sativa demonstraram resultados promissores. Devido as propriedades dos canabinoides, presentes na cannabis, de interagirem com o nosso sistema endocanabinoide, regulando processos como a cognição, memória, humor, comportamente e sono ciclo, o canabidiol (CBD) tem se mostrado uma ferramenta potencial em diversos transtornos. Esse canabinoide possui atividade ansiolítica, antipsicótica e antidepressiva, de acordo com diversas pesquisas, podendo ser utilizado para o tratamento de vários prognósticos coexistentes, reduzindo a quantidade de medicamentos, com consequência direta na diminuição de reações adversas e interações medicamentosas.
Confira abaixo como a Cannabis atua em diferentes casos:
Ansiedade
A primeira evidência de que o CBD teria um potente efeito ansiolítico aconteceu em 1982 em que pesquisadores observaram 15 pacientes terem suas crises de ansiedade neutralizadas com o uso do CBD. Com base nisso, surgiram estudos investigando a ação ansiolítica deste canabinoide na ansiedade induzida em voluntários saudáveis. Os pesquisadores concluiram que o CBD é capaz de atenuar significativamente a ansiedade da mesma forma que o diazepam, medicamento utilizado convencionalmente, porém com menor incidência de efeitos colaterais.
Um estudo publicado pela Frontiers in Psychology, uma das mais conceituadas revistas científicas de psicologia, avaliou a eficácia da cannabis no transtorno de ansiedade social. O grupo que recebeu a cannabis obteve respostas significativas em todas as escalas de avaliação em comparação ao placebo. Outro estudo, publicado em 2019, realizou uma análise retrospectiva, observando a diminuição da ansiedade em 79,2% dos participantes nas primeiras 4 semanas de uso do CBD, em que apenas 4% apresentaram efeitos colaterais.
Insônia
Sabe-se que o sistema endocanabinoide tem um papel importante na indução e manutenção do sono REM. A suplementação com os fitocanabinoides presentes na cannabis, como o CBD e o THC, auxiliam a regular os desequilíbrios deste sistema. Diversos estudos mostram evidências duais no tratamento de distúrbios do sono. Os resultados obtidos sugerem que os tipos e concentrações dos canabinoides presentes afetam o sono de maneiras diferentes.
Doses baixas de THC são sedativas, auxiliando na indução e manutenção do sono, entretanto, doses elevadas pioram a qualidade do sono e podem causar euforia e excitação, sintomas não desejados. Já com o CBD ocorre o oposto, doses elevadas são mais benéficas neste contexto e doses baixas auxiliam no aumento do foco e do estado de vigília. O recomendado é a utilização do CBD durante o dia, pois ele é responsável por equilibrar o ciclo circadiano, ou seja, o ciclo do sono, e complementar com doses baixas de THC a noite para induzir o sono, se necessário.
Uma pesquisa recente acompanhou pacientes que substituíram o uso de medicamentos benzodiazepínicos pelo óleo de extrato de Cannabis. Com os benzodiazepínicos, todos os pacientes relataram sentir efeitos adversos, como esquecimento, dores de cabeça, tontura e confusão mental. Em contrapartida, 60% deles relataram não sentir nenhum efeito adverso com a Cannabis, sendo que 80% dos participantes optaram pela utilização do óleo de extrato de Cannabis para o controle da insônia.
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) possui causas genéticas e ambientais e se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Recentemente, uma maior atenção tem sido dada ao papel do sistema endocanabinoide no TDAH. Foi observado que crianças com esse diagnóstico possuem a degradação da anandamida, um endocanabinoide, prejudicada em comparação com indivíduos saudáveis. Além disso, estudos genéticos encontraram uma correlação entre o gene do receptor canabinoide e a fisiopatologia do transtorno.
Descobriu-se que a Cannabis medicinal é útil para uma variedade de sintomas, incluindo melhora da concentração e do sono, bem como redução da impulsividade. Após esta pesquisa, 73% dos participantes preferiram usar apenas canabinoides, enquanto 27% passaram a combina-los com outros medicamentos estimulantes.
Um relato de caso investigou um paciente adulto com TDAH que, após apresentar efeitos adversos com o metilfenidato, medicamento mais utilizado neste prognóstico, acessou o tratamento com canabinoides e obteve o foco aprimorado, hiperatividade reduzida, controle de impulsos e melhor tolerância à frustração.
Esquizofrenia
A esquizofrenia é caracterizada pela presença de delírios, alucinações, apatia, função cognitiva prejudicada, comportamento desorganizado e alterações psicomotoras.
Os fármacos antipsicóticos, tratamento de primeira linha, atuam através do antagonismo dos receptores dopaminérgicos. Embora sejam eficazes na maioria dos pacientes, a resposta terapêutica é pobre em até um terço dos pacientes, refletindo em uma ausência da função da dopamina elevada neste subgrupo.
Um ensaio clínico demonstrou efeitos benéficos do CBD em relação ao placebo, diminuindo os sintomas psicóticos e aumentando o desempenho cognitivo. Como os efeitos do CBD parecem não depender do antagonismo do receptor de dopamina, esse agente pode representar uma nova classe de tratamento para pacientes refratários.
Pesquisadores compararam o CBD e a amissulprida, um potente antipsicótico, na esquizofrenia aguda. Após 4 semanas de tratamento, ambos os medicamentos levaram a uma melhora clínica significativa, mas o CBD foi associado a menos efeitos adversos, como tremores e ganho de peso.
Quanto ao THC, estudos mostram que altas doses podem induzir sintomas psicóticos tanto em voluntários saudáveis, quanto em pacientes esquizofrênicos, sugerindo que a hiperatividade do sistema endocanabinoide pode contribuir para estados psicóticos. Isso corrobora com os achados, visto que o CBD é capaz de modular essa hiperatividade.
Depressão
Além de serem capaz de interagir com receptores serotoninérgicos e glutamatérgicos, sistemas envolvidos na fisiopatologia da depressão, os canabinoides induzem alterações celulares e moleculares, como o aumento dos níveis do BDNF e das sinapses do córtex pré-frontal, bem como aumentam a neurogênese no hipocampo, regiões do cérebro que apresentam baixa atividade em pacientes depressivos.
Pesquisadores da Universidade do Novo México coletaram dados de mais de mil usuários de Cannabis medicinal e avaliaram o potencial na redução imediata dos sintomas depressivos. Foi observado que 95,8% dos pacientes obtiveram melhora dos sintomas após o consumo.
Transtorno de Estresse Pós-Traumático
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é um distúrbio no qual, após a exposição a eventos traumáticos, os pacientes desenvolvem um conjunto de sintomas, incluindo memórias angustiantes, comportamentos de evitação, percepções aumentadas de ameaça e pesadelos recorrentes.
De acordo com estudos pré-clínicos, o CBD auxilia na interrupção da consolidação da memória do medo, processo relevante para a psicopatologia da doença. Diante disso, um ensaio examinou a administração de CBD por 8 semanas em pacientes com TEPT. Houve uma redução significativa na gravidade e intensidade dos sintomas, com baixo perfil de efeitos colaterais.
Após 2 anos de acompanhamento de pacientes com TEPT do Programa de Cannabis Medicinal do Novo México, os pesquisadores encontraram uma redução de 75% na sintomatologia nos pacientes que usaram Cannabis medicinal em comparação com os que não a utilizaram.
Além disso, veteranos de guerra americanos relataram reduções significativas nos pensamentos e sonhos perturbadores e nos comportamentos de evitação com o uso de Cannabis medicinal. Neste cenário, os canabinoides sintéticos também se mostraram promissores, em que um estudo avaliou militares canadenses a fim de avaliar o potencial da Nabilona, um análogo do THC, para o tratamento dos pesadelos relacionados ao TEPT, em que obteve redução significativa em relação ao placebo.