O sistema imunológico tem a capacidade de reconhecer as substâncias estranhas, como bactérias e vírus, e então produzir anticorpos específicos a fim de defender o organismo. As doenças autoimunes consistem em um mau funcionamento deste sistema, em que reconhece os próprios tecidos do corpo como estranhos, produzindo autoanticorpos, os quais atacam as células do organismo. Esse processo patológico resulta em inflamação e danos aos tecidos afetados.
Os tratamentos consistem em estratégias de redução deste processo inflamatório, incluindo fármacos com ação imunossupressora. Neste cenário, os canabinoides atuam em receptores presentes nas células do sistema imune, contribuindo para a imunomodulação e diminuição da inflamação sistêmica. Pesquisas in vivo e in vitro demonstraram que a Cannabis medicinal exerce as suas propriedades imunossupressoras através da diminuição do número de células inflamatórias e da inibição da produção de citocinas pró-inflamatórias.
Confira abaixo as evidências do efeito imunomodulador dos canabinoides em diferentes doenças autoimunes:
Artrite Reumatoide e Osteoartrite
A fisiopatologia das doenças articulares, como a artrite reumatoide e a osteoartrite, ocorre pelo aumento da degradação da cartilagem, induzida pelas citocinas pró-inflamatórias nas articulações, ocasionando dores e perda de mobilidade.
Em estudos pré-clínicos, os canabinoides demonstraram ter efeitos anti-inflamatórios e reduzir o dano articular. O canabidiol (CBD) proporcionou alívio da dor e redução da infiltração de células inflamatórias na articulação em modelos de animais com artrite reumatoide. Um estudo clínico observacional com mais de 11 mil usuários de Cannabis medicinal observou que 74% dos participantes relataram melhora no alívio dos sintomas da artrite com o uso da Cannabis.
O tratamento local com CBD em ratos com osteoartrite mostrou redução aguda da inflamação articular e efeito profilático e neuroprotetor, em que preveniu o desenvolvimento posterior de dor e danos nos nervos.
Diabetes tipo 1
A diabetes tipo 1 (DM1), diferente da diabetes tipo 2, é uma doença autoimune que acomete o pâncreas e se desenvolve na infância ou adolescência, não tendo relação com a dieta e o estilo de vida. Na DM1, ocorre a destruição das células pancreáticas produtoras de insulina, chamada de insulite, induzida pelas células imunes, causando inflamação no pâncreas.
Pesquisas indicam que o CBD inibe e retarda a insulite através da redução das citocinas pró-inflamatórias no pâncreas, resultando em uma incidência diminuída de DM1. No estudo, camundongos diabéticos foram tratados com CBD, e a incidência de insulite foi de 86% nos animais não tratados para uma incidência de 30% no grupo tratado.
Doenças Inflamatórias Intestinais
As doenças inflamatórias intestinais (DIIs) compreendem duas patologias: Doença de Crohn e Colite Ulcerativa. São caracterizadas por períodos de surtos inflamatórios que colocam uma carga emocional e sintomática nos pacientes. Os objetivos terapêuticos são a redução da inflamação e dos sintomas, a melhora da qualidade de vida e a prevenção de complicações.
Diversos experimentos em animais com colite ulcerativa mostraram uma redução significativa da inflamação com o uso de canabinoides. Esse dado corrobora com estudos clínicos, em que os pacientes com DII relataram que a Cannabis medicinal alivia os sintomas de dor abdominal, náuseas, diarreia, anorexia, bem como melhora o humor e a qualidade de vida.
Normalmente, 25% a 38% dos pacientes com doença de Crohn operados necessitam de segunda cirurgia dentro de 5 anos. Neste contexto, em um estudo retrospectivo que avaliou o uso de Cannabis em pacientes com a doença, apenas 13% dos pacientes já operados necessitou de uma nova operação.
Lúpus Eritematoso Sistêmico
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença autoimune que atinge diversos órgãos e possui fases de atividade e de remissão. Os sintomas incluem perda de apetite, fraqueza, dores nas articulações, manchas na pele e problemas renais.
Ainda existem poucos estudos clínicos sobre o uso de canabinoides no tratamento do LES. No entanto, acredita-se que as propriedades anti-inflamatórias do CBD possam minimizar alguns sintomas da doença e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Uma pesquisa envolvendo pacientes com LES, apresentada no Lupus Corner, revelou que 781 pacientes usaram o CBD para aliviar os sintomas da doença, e destes, 83% relataram que recomendariam o uso a outros pacientes.
Psoríase
A psoríase é uma doença de pele crônica, imunomediada, caracterizada pela hiperproliferação de queratinócitos, causando lesões espessas na pele, ressecamento, coceira e descamação.
Embora a fisiopatologia da psoríase não seja totalmente compreendida, sabe-se que existe uma grande influência do sistema imunológico e sua interação com o sistema nervoso. Essa interação é regulada pelo sistema endocanabinoide, sugerindo que os canabinoides possam atuar como potenciais medicamentos no controle dos sintomas. Estudos in vitro mostraram que os canabinoides também atuam na inibição da produção exagerada de queratinócitos.
Em 2019, foi lançada uma patente para o tratamento da psoríase com a aplicação de diferentes formulações tópicas (pomada, gel, líquido, spray e pó) contendo CBD e canabigerol (CBG) em concentrações de 3 a 20%. A aplicação das formulações nas áreas afetadas levou a uma melhora dose-dependente nos sintomas da psoríase, enquanto os controles que receberam placebo não apresentaram melhora.
Também foi realizado um relato de caso de um homem de 33 anos com psoríase, que começou na face e depois se espalhou para várias áreas do corpo. O paciente foi tratado com creme, sabonete e óleo capilar, todos contendo 5 mg/mL de tetrahidrocanabinol (THC). Após 2 dias do início do tratamento, já foram observadas melhoras nas lesões. Sete meses depois, o paciente relatou usar os produtos apenas para manutenção, e que qualquer surto da doença era rapidamente controlado com o tratamento.